BY Bruna David
Há muito se fala sobre a questão do aborto. Seja positivamente ou negativamente, existem argumentos contundentes em todos os sentidos. Porém, nenhum argumento deveria ser considerado mais importante do que aquele de que todas as vidas importam.
Todas, mesmo. Estamos falando de mulheres que tem condições de pagar abortos quase dignos, mesmo que clandestinos e exatamente por isso não totalmente seguros, também estamos falando de mulheres que não tem condições de pagar por abortos em clinicas clandestinas confiáveis e por isso morrem – se não durante o procedimento, depois – vítimas de um sistema social e político que as silencia na busca por ajuda, na busca por alívio de suas aflições.
No Brasil, e no mundo de uma maneira geral, a discussão sobre a escolha do aborto se dá muito mais sobre o controle do corpo feminino, do que sobre sua vontade pessoal. Devemos lembrar que em território brasileiro, os abortos são somente permitidos – ou legais – em caso de estupro, risco de vida da mulher ou fetos anencefálicos. De qualquer maneira, existe a esperança de uma mudança, mesmo que lenta e gradual, pois tivemos uma audiência pública realizada em agosto, em âmbito federal, sobre a mudança na legislação. Mudança essa que consistirá na descriminalização do aborto até a décima segunda semana de gravidez, sem que seja necessário nenhum tipo de ação judicial para que o aborto aconteça de forma segura. Essa audiência pública causou uma maior abertura do diálogo sobre este assunto sempre considerado como um tabu. Estiveram presentes indivíduos de destaque em nossa sociedade, porém, os homens, em sua maioria, se sentiram confortáveis diante de seu lugar de (não) falar para opinar sobre um assunto que não lhes diz respeito e insistem em silenciar vozes que são diferentes das suas. E não é só sobre o aborto.
Num país que os índices de violência contra a mulher beiram o absurdo, não é por acaso que é necessário o uso da palavra feminicidio. Neste dossiê, do Instituto Patrícia Galvão, podemos acompanhar dados e pesquisas detalhadas. Devemos falar sobre as altas estimativas do número de pessoas que morrem por causa de abortos inseguros, pois além de não poderem realizar esses procedimentos de forma segura, as pessoas também não podem falar sobre as suas consequências caso necessitem, pois, o aborto é crime, lembram-se? E nem falar sobre isso com as profissionais de saúde é seguro para as mulheres que realizam um aborto clandestino.
O Brasil sempre foi considerado como o país do futuro. Que seja o país de um futuro melhor, do nosso futuro melhor, com menos medo de homens e mais amor pelos seres humanos. Com mais esperança nessa democracia falida que se mostra numa eleição em ruínas, onde o candidato com mais intenção de voto é alvo de uma hashtag de protesto. #elenunca. Por que ele nunca? Porque ele é o estereótipo de todos os preconceitos que lutamos contra: racismo, homofobia, misoginia. E, mesmo não falando apenas sobre ele, de treze candidatos à Presidência da República, apenas dois se manifestaram claramente a favor da descriminalização do aborto. Uma onda conservadora nas eleições assusta, só não assusta mais do que pensarmos que essa realidade pode se manter pelos próximos quatro anos.
Vocês podem imaginar como é viver num lugar que é quase uma farsa de sociedade livre?
Gilead (#handmaidstale) é quase ali, é só virar a esquina.
Bruna David é uma historiadora e cientista da religião. Atua pela luta dos direitos humanos e atualmente é ativista em Católicas Pelo Direito de Decidir.