BY Angelina Magibire E Silvia Dywili
BY ANGELINA MAGIBIRE E SíLVIA DYWILI
Content/Trigger Warning: Mention of R*pe, D*ath
Speak softly, close your legs, lower your head, women look after the house and their husbands – but why? If it is destiny, why fight something so intrinsic to women? Why flee from destiny?
When we were younger, it seemed to be just a story of our ancestors. Today, after centuries, we feel the weight and pain of being a woman in a world that kills those who dare to say no, who condemns those who decided to follow their destiny outside the cages of the patriarchy.
We recognize the thorny and challenging path to make a revolution when I refuse to accept that in the 21st century, women are beaten, raped, killed, and what we hear from conservatives is, “Where did she go that night?”, “Why was she wearing a short skirt?”, “Why was she not careful?” The narratives have never been about fighting rape or eliminating this evil. It has always been about victim.
If accessing a public service was a challenge earlier, with the emergence of Covid-19, the life of young women is synonymous with resistance for survival.
How many times in life, as we try to take the reins of our own lives, we hear: “You will embarrass us, women must be obedient and listen to the head of the house – in this case, the man – and if you return to your parents’ house you will tarnish the good name of the family”. The idea that women should endure disrespect and ill-treatment are sometimes reproduced in culture, with women singing “hymns” of patience. The woman shoulders the burden of the well being of a home and being the pillar of the family. To maintain this so-called home, women have a thousand and one recipes to follow because care and love are the woman’s responsibility since, after all, men never grow up and are eternal children who need care. It is not by chance that even adults need a woman to survive – the mother or the wife, as alone, they cannot survive.
I remember it like it was yesterday. Sepúlveda lost her life when, one night, she felt ill (she was asthmatic) and went to Mavalane’s hospital. Almost without strength, she dragged herself, struggling to gain another minute to live until, as she walked the streets of the airport neighbourhood, young men approached and raped her. Remember the screams? No one dared to leave, not even me… The following day, I knew something had happened, I just wanted it not to be real, because it was another one of us who was going to be the victim of the words: “what was she doing at that time on the street and why was she wearing a short skirt?” Sepúlveda is dead. Remember Ana, Polana Caniço? And Maria, who, for three days, was reported missing and then found on the lifeless railroad? They all had something in common: they were women who dared to access the streets, exercising their right to movement.
The streets, the nights, the media, and all the opinionated spaces, have never been harder to access than they are today. We live in moments of uncertainty and fear because, if access to public service was a challenge, with the emergence of Covid-19, the lives of young women are synonymous with resistance for survival. We are resisting social inequalities. We are resisting the military conflicts in Cabo Delgado.
Remember Sepúlveda? Ana? And Maria? They all had something in common: they were women who dared to access the streets, exercising their right to movement.
I remember how much I instigated myself. I squirmed in so much pain and felt a part of me was lost forever when the naked and helpless woman of that video, which looked like a horror movie, was shot by a group of armed men dressed in the uniform of the armed forces… It was horrible. Imagine the story that the fallen body had to tell.
It is also distressing to see the climate changes that have plagued central and northern Mozambique, culminating in cyclones that put us in a condition of dislodged and as mere statistical data.
It seems that from the time of the ‘witch hunt’, we have not progressed much. The night and the day have become more dangerous. We live coupled with the fear of being victims of violence because we are women. Anyone who denies the narrative of marriage as her ultimate end is condemned to be disrespected, scorned, and humiliated.
In the interests of the majority, atrocities such as these are normalized and applied in the name of the safety of others and never of ours.
If our social struggles were on the rise, with the arrival of the pandemic, these social pressure and fear accompany us day after day. It becomes even more evident that our struggle is structural and must be fought from top to bottom and right to left.
The State, while Declaring Emergency, says that family planning services and safe abortion are non-priority services and dares to silence our voices and decide for our bodies in the name of all but not in favor of women. In the interests of the majority, atrocities such as these are normalized and applied in the name of the safety of others and never of ours.
We will not stop resisting!
Sempre resistir nunca desistir– Mulheres Jovens em acção
Fala baixo, fecha as pernas, abaixa a cabeça, mulheres cuidam da casa e dos maridos, – mas porquê? É destino, porque queres lutar contra algo tão intrínseco às mulheres, porque fugir do destino?
Quando éramos mais novas parecia apenas uma história das nossas ancestrais. Hoje depois de séculos, sentimos na pele o peso e a dor de sermos mulheres nesse mundo que mata aquelas que ousam dizer não, que condena mulheres que decidiram seguir seu destino fora das jaulas do patriarcado.
Reconhecemos o caminho espinhoso e difícil que é fazer revolução, quando não aceitamos que, em pleno século XXI, mulheres sejam agredidas, violadas e mortas e o que se ouve dos conservadores é: onde é que ela ia naquela noite? porque vestia uma saia curta? porque não se cuidou? As narrativas nunca foram sobre combater a violação ou sobre eliminar este mal, sempre foi acerca da culpada.
Quantas vezes ao tentarmos tomar as rédeas das nossas próprias vidas, ouvimos: “vais envergonhar-nós, mulheres devem ser obedientes dando ouvidos ao cabeça da casa – neste caso o homem – e se voltares para casa dos teus pais vais manchar o bom nome da família”. A ideia de que mulheres devem suportar os desrespeitos e os maus tratos são por vezes reproduzidas na cultura, com mulheres que entoam “hinos” de paciência que dizem que o bom desempenho de um lar e o pilar da família é a mulher e, para manter esse dito lar, tem mil e uma receitas para a mulher seguir, pois existe toda educação de cuidado e amor a cargo da mulher porque afinal de contas, homens nunca crescem e são eternas crianças que precisam de cuidados. Não é por acaso que, mesmo adultos, precisam de uma mulher para sobreviver, seja ela a mãe ou a esposa, mas sozinhos não vivem.
Lembro-me como se fosse hoje. Sepúlveda perdeu a vida quando, numa noite igual a esta, ela sentiu-se mal (era asmática) e dirigiu-se ao hospital de Mavalane. Quase sem forças, ela se arrastava lutando para ganhar mais um minuto de vida até que, ao caminhar pelas ruas do bairro do aeroporto, jovens homens a interpelaram e a violaram. Violaram Sepulvida. Lembras dos gritos? Ninguém ousou sair, nem mesmo eu…. Na manhã seguinte, eu sabia que algo tinha acontecido, eu só queria que não fosse real, pois era mais uma de nós vitima do discurso: “o que ela fazia naquela hora na rua e porque vestia uma saia curta?” Sepúlveda morreu. Lembra da Ana, da polana Caniço? pois ela também se foi. E da Maria que durante 3 dias foi dada como desaparecida e depois encontrada na linha férrea sem vida? Todas tinham algo em comum: eram mulheres, mulheres que ousaram fazer-se à rua exercendo seu direito de ir e vir.
As ruas, as noites, as mídias e todos os espaços de opinião nunca foram tão difíceis de aceder como hoje. Vivemos momentos de incertezas e medos, pois se antes aceder a um serviço público constituía um desafio, com o surgimento da Covid-19, a vida das mulheres jovens é sinónimo de resistência para a sobrevivência. Estamos resistindo às desigualdades sociais, resistimos aos conflitos militares em Cabo Delgado.
Lembro do quanto me indignei, me contorci de tanta dor e senti que parte de mim foi levada quando a mulher nua e indefesa daquele vídeo, que mais pareceu filme de horrores, foi fuzilada por um grupo de homens armados trajados de uniforme das forças armadas… foi horrível. Imagine a história que aquele corpo caído tinha a contar, os sorrisos trazidos por aquele corpo em vida… Quem sabe não se tratava de uma irmã de alguém, de uma mãe, tia ou amiga que teve a vida tirada como se fosse um animal. Também é angustiante ver as mudanças climáticas que assolaram as zonas centro e norte de Moçambique, que culminam em ciclones que nos colocam em condição de desalojadas e como meros dados estatísticos.
Parece que da época da caça às bruxas até hoje progredimos pouco. A noite e o dia tornaram-se mais perigosos, vivemos acopladas ao medo de sermos vítimas de violência pelo facto de sermos mulheres. Quem nega a narrativa do casamento como seu fim último é condenada a ser desrespeitada, desprezada e humilhada.
Se as nossas lutas sociais estavam em alta, com a chegada da pandemia, a pressão social e o medo nos acompanham dia após dia e fica mais evidente que a nossa luta é estrutural, devendo ser combatida do topo a base, da direita para a esquerda.
Um Estado que nos acorrenta é aquele que ao Declarar o Estado de Emergência, refere que serviços de planeamento familiar e aborto seguro são serviços não prioritários, então ousa silenciar nossas vozes e a decidir pelo nosso corpo; é em nome de todos, mas não em prol das mulheres. É por causa de interesses da maioria que atrocidades como estas são normalizadas e aplicadas em nome da segurança dos outros e nunca da nossa.
Não desistiremos de resistir.